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Viagem de revelação à Sicília, em livro e filme

11/10/2002

Cena de ‘Gente da Sicília’, filme baseado em livro do romancista Elio Vittorini

 


O lançamento de 'Conversa na Sicília', mais importante obra de Elio Vittorini, hoje à noite, no Shopping Frei Caneca, vai ser acompanhado da exibição de 'Gente da Sicília', baseado no romance

   Uma viagem ao passado em que o principal acontecimento é a palavra - publicado em capítulos na revista Letteratura, de Florença, a partir de 1937, e em volume único em 1941, Conversa na Sicília (Cosac & Naify, 282 páginas, R$ 39) é apontado como o romance mais importante do italiano Elio Vittorini. A publicação motivou uma importante guinada em sua carreira, motivada pelo inconformismo com a Guerra Civil espanhola que agitava seu estado de espírito.

   O livro será lançado hoje à noite, em uma sala de cinema, o Unibanco Arteplex. Não é um despropósito - com a obra será novamente exibido o filme Gente da Sicília, de Jean-Marie Straub e Danielle Huillet, que, assim, como o livro, é uma obra instigante. Completando o programa, haverá um debate com as professoras Stella Senra e Maria Betânia Amoroso e o jornalista Manuel da Costa Pinto.

   Tamanha programação se justifica: além de sua importância literária, Conversa na Sicília motivou um detalhado esquema de edição por parte da Cosac & Naify. Tudo começou no ano passado, quando o escritor Valêncio Xavier sugeriu a publicação da obra, mas seguindo o mesmo formato original.

   Ele utilizava uma edição de 1953, editada pela Bompiani, que hoje é rara até mesmo na Itália por um diferencial: o livro é ilustrado por 188 fotografias, feitas sob a rigorosa orientação do próprio Elio Vittorini e que traduzem seu lirismo siciliano. As edições atuais, por questões econômicas, simplesmente eliminaram as imagens. "São figuras vagas, com legendas imprecisas e que parecem trabalho de iniciante", comenta Xavier. "Mas é justamente esse seu principal encanto: apesar do tom nebuloso, elas não pretendem explicar o texto de Vittorini, mas elevá-lo à posição das grandes fantasias."

   Há anos vivendo em Curitiba, Valêncio Xavier é apaixonado por Conversa na Sicília, chegando a recitar trechos inteiros, em sonoro italiano. A devoção se estendeu ao filme Gente da Sicília, considerada pela crítica cinematográfica como uma das melhores produções de 2000. "É fascinante o cuidado com que os cineastas selecionaram cada imagem."

   O livro, assim como o filme, conta a história do linotipista Silvestro, jovem que retorna à cidade onde nasceu, na Sicília, depois de 15 anos. Ele mora em Milão, no norte do país, e está tomado por "furores abstratos" que o paralisam em uma completa apatia. À medida que o trem atravessa a Itália, ele é como que reapresentado à realidade que deixou de conviver. A paisagem, os cheiros, as conversas dos companheiros de viagem recuperam aos poucos a geografia de sua infância e o ajudam a descobrir na memória seu elo mais forte com o real.

   Em um artigo sobre a prosa italiana, o ensaísta Guido Guglielmi observa que o livro não apresenta uma narrativa de coisas, mas uma narrativa de palavras. "O acontecimento é a palavra", escreve. "Através de seu simples ressoar, descobre-se aí o 'gênero humano'. Descobre-se a própria possibilidade genérica. É o seu poder de revelação - do homem para si mesmo e o do homem para outro homem - que conta no entrelaçamento das vozes."

   Silvestro descobre-se um estranho em sua própria terra, a ponto de se reconhecer como um estrangeiro diante de um paupérrimo vendedor de laranjas, que estranha sua presença. "Sim, sou americano", afirma, constrangido. "Há 15 anos."

   O filme provoca, em alguns espectadores, o mesmo estranhamento. Os atores não são profissionais e os diretores os escolheram entre os moradores da região. Ou seja, são sicilianos simples, que não estavam acostumados com o cinema e suas exigências. O resultado é contraditório: um gélido teatro estático mas que, se bem absorvido, promove 66 minutos de prazer.

   Conversa na Sicília consolida também uma mudança estilística na carreira de Elio Vittorini, no momento em que ambicionava transformar sua linguagem em porta-voz daqueles que sofrem. O interesse pelo humanismo desponta justamente nos anos 1936-37, em que o fascismo na Itália demonstrava de maneira mais enfática seu aspecto ditatorial e imperialista. Para evitar que a censura impedisse a publicação de seus escritos, Vittorini utiliza uma forma estilística que podia ser entendida, mas sem revelar muito seu pensamento. Uma opção que se observa também nas fotos que compõem o livro: nebulosas, mas representativas.

(© O Estado de S. Paulo)

 

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