O lançamento de 'Conversa na
Sicília', mais importante obra de Elio Vittorini, hoje à noite, no Shopping Frei Caneca,
vai ser acompanhado da exibição de 'Gente da Sicília', baseado no romance
Uma viagem ao passado em que o principal acontecimento é a palavra -
publicado em capítulos na revista Letteratura, de Florença, a partir de 1937, e em
volume único em 1941, Conversa na Sicília (Cosac & Naify, 282 páginas, R$ 39) é
apontado como o romance mais importante do italiano Elio Vittorini. A publicação motivou
uma importante guinada em sua carreira, motivada pelo inconformismo com a Guerra Civil
espanhola que agitava seu estado de espírito.
O livro será lançado hoje à noite, em uma sala de cinema, o Unibanco
Arteplex. Não é um despropósito - com a obra será novamente exibido o filme Gente da
Sicília, de Jean-Marie Straub e Danielle Huillet, que, assim, como o livro, é uma obra
instigante. Completando o programa, haverá um debate com as professoras Stella Senra e
Maria Betânia Amoroso e o jornalista Manuel da Costa Pinto.
Tamanha programação se justifica: além de sua importância literária,
Conversa na Sicília motivou um detalhado esquema de edição por parte da Cosac &
Naify. Tudo começou no ano passado, quando o escritor Valêncio Xavier sugeriu a
publicação da obra, mas seguindo o mesmo formato original.
Ele utilizava uma edição de 1953, editada pela Bompiani, que hoje é
rara até mesmo na Itália por um diferencial: o livro é ilustrado por 188 fotografias,
feitas sob a rigorosa orientação do próprio Elio Vittorini e que traduzem seu lirismo
siciliano. As edições atuais, por questões econômicas, simplesmente eliminaram as
imagens. "São figuras vagas, com legendas imprecisas e que parecem trabalho de
iniciante", comenta Xavier. "Mas é justamente esse seu principal encanto:
apesar do tom nebuloso, elas não pretendem explicar o texto de Vittorini, mas elevá-lo
à posição das grandes fantasias."
Há anos vivendo em Curitiba, Valêncio Xavier é apaixonado por Conversa
na Sicília, chegando a recitar trechos inteiros, em sonoro italiano. A devoção se
estendeu ao filme Gente da Sicília, considerada pela crítica cinematográfica como uma
das melhores produções de 2000. "É fascinante o cuidado com que os cineastas
selecionaram cada imagem."
O livro, assim como o filme, conta a história do linotipista Silvestro,
jovem que retorna à cidade onde nasceu, na Sicília, depois de 15 anos. Ele mora em
Milão, no norte do país, e está tomado por "furores abstratos" que o
paralisam em uma completa apatia. À medida que o trem atravessa a Itália, ele é como
que reapresentado à realidade que deixou de conviver. A paisagem, os cheiros, as
conversas dos companheiros de viagem recuperam aos poucos a geografia de sua infância e o
ajudam a descobrir na memória seu elo mais forte com o real.
Em um artigo sobre a prosa italiana, o ensaísta Guido Guglielmi observa
que o livro não apresenta uma narrativa de coisas, mas uma narrativa de palavras. "O
acontecimento é a palavra", escreve. "Através de seu simples ressoar,
descobre-se aí o 'gênero humano'. Descobre-se a própria possibilidade genérica. É o
seu poder de revelação - do homem para si mesmo e o do homem para outro homem - que
conta no entrelaçamento das vozes."
Silvestro descobre-se um estranho em sua própria terra, a ponto de se
reconhecer como um estrangeiro diante de um paupérrimo vendedor de laranjas, que estranha
sua presença. "Sim, sou americano", afirma, constrangido. "Há 15
anos."
O filme provoca, em alguns espectadores, o mesmo estranhamento. Os atores
não são profissionais e os diretores os escolheram entre os moradores da região. Ou
seja, são sicilianos simples, que não estavam acostumados com o cinema e suas
exigências. O resultado é contraditório: um gélido teatro estático mas que, se bem
absorvido, promove 66 minutos de prazer.
Conversa na Sicília consolida também uma mudança estilística na
carreira de Elio Vittorini, no momento em que ambicionava transformar sua linguagem em
porta-voz daqueles que sofrem. O interesse pelo humanismo desponta justamente nos anos
1936-37, em que o fascismo na Itália demonstrava de maneira mais enfática seu aspecto
ditatorial e imperialista. Para evitar que a censura impedisse a publicação de seus
escritos, Vittorini utiliza uma forma estilística que podia ser entendida, mas sem
revelar muito seu pensamento. Uma opção que se observa também nas fotos que compõem o
livro: nebulosas, mas representativas.
(© O Estado de S. Paulo)